Por: Matheus Kennedy
Ruan Vieira é um exímio bailarino das palavras. A poesia, sua sapatilha, lhe calça muito bem. “Estou farto do lirismo comedido”, publicado pela Mondru Editora, é um grito de basta à poesia que se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo; à poesia que prioriza mais a métrica e a estética do que o sentimento. Reunindo diversos poemas, alguns deles, por meio da intertextualidade, dialogando com textos de autores como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa e Paulo Leminski, Ruan vai traçando um caminho poético que capta, com sensibilidade e habilidade, a poesia presente no mundo, no dia a dia, em cada momento experimentado.
O primeiro texto que inaugura o livro, intitulado “Poesia de Cada Dia” , é uma espécie de “testamento” do que a obra do jovem poeta sergipano propõe. Ruan defende a ideia de que a poesia, mais que uma arte, é um sentimento humano e, portanto, está presente em todos os ambientes e todas as pessoas são capazes de poetizar as suas vidas, quebrando a lógica da poesia como um exercício essencialmente acadêmico ou especializado. É nesse ínterim, que ele exalta a poesia livre das amarras da gramática e das regras que tornariam, aos moldes parnasianos, um poema belo e perfeito. “Fique com a Sintaxe da Gramática e me deixe com a Semântica da Poesia”, asseverou.
Os poemas-paródias de Ruan são resultados de uma genialidade única. “No meio do caminho, um passarinho”, recuperando a máxima drummondiana, é um hino à liberdade (daí o passarinho), que a pedra de Drummond impossibilitaria. “Oração ao vento”, paródia da música “Oração ao tempo”, de Caetano Veloso, é um dos meus prediletos. Cantando ao vento, o poeta chama um amigo, pedindo sua suave ou intempestiva presença em sua vida e no movimento dos destinos. Li cantando.
Utilizando recursos como metáforas, ironias e versos livres, sob fortes influências literárias e musicais, nasce uma poesia que aborda questões existenciais, tais como a infância em “Aurora da minha vida”, a presença e importância da figura materna em “Minha mãe é uma semideusa”, a existência divina, à la Nietzsche, em “Paradoxo do divino”, a traição em “O beijo de Judas” e o patriotismo genuíno em “Canto a minha terra”.
Mas a poesia de Ruan não termina por aí. Há também alguns poemas com forte teor erótico, alguns mais explícitos que outros, como em “Sem nem sequer saber de poesia”, onde o eu lírico afirma que conhece (“viajou”) o corpo da amada, evidenciando que o ato sexual, ou melhor, transar, também é uma forma de se fazer poesia, a arte de cantar/fazer o amor.
São muitos os poemas que compõem a obra do jovem poeta sergipano e este texto não daria conta de destrinchar cada um deles. Selecionei aqueles que me tocaram mais fortemente. E encerro com o poema-paródia “Tecendo o texto”, uma canção do fazer poético, que reflete a clareza de Ruan, volto a dizer, como um bailarino das palavras, que sabe conduzir e construir, palavra por palavra, verso por verso, significados, sentimentos, verdades inauditas. “Uma palavra sozinha não tece um texto: ela precisará sempre de outras palavras”.
Precisaremos sempre, mais e mais, da poesia de Ruan, que só ele sabe tecer.
Nota biográfica:
Matheus Kennedy é Graduado em Letras-Português pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Foi pesquisador-bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC - Fapesq/UEPB) durante 2021 a 2023. Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores (PPGFP/UEPB).
Em 2020, foi um dos fundadores do Debate na Mesa, permanecendo até hoje na equipe.